Postado originalmente em racionalidade.com.br.
Garçom: O que vão querer para beber?
Ana: Um suco de laranja, por favor.
Bruno: Ué, porque quis suco de laranja hoje? Você geralmente pede refrigerante.
Ana: Er… Ah, porque-
Pare, Ana! Essa é sua última chance de evitar a racionalização. Em cinco segundos, você terá inventado uma ou mais razões completamente falsas, e vai se convencer de que elas são verdadeiras. Por quê?
Da LessWrong Wiki (minha tradução):
“Racionalização” parte de uma conclusão, e trabalha ao contrário para encontrar argumentos que favoreçam aquela conclusão. (…) Pode tomar uma forma óbvia e consciente, em que você sabe que deseja que uma opinião específica esteja correta e deliberadamente compõe argumentos apenas a favor daquela opinião, analisando as evidências e conscientemente filtrando os fatos que serão apresentados. Ou pode ocorrer na velocidade de nossa percepção, sem que tenhamos intenção ou reconhecimento consciente.
Também conhecida como “inventar desculpas”, a racionalização é algo que fazemos quando sentimos necessidade de defender com argumentos uma opinião ou atitude a que chegamos sem passar por um processo de deliberação racional. A posição defendida pode ter sido fruto de um impulso momentâneo, da pressão cultural de um grupo, ou de outros fatores psicológicos ou sociais. De todo modo, os argumentos são inventados ou escolhidos depois da decisão de professar uma certa opinião.
É comum racionalizarmos quando somos confrontados com resistência social às nossas opiniões. Se você tem uma posição política em que acredita desde criança, é provável que ela não tenha sido adquirida por um processo racional, mas simplesmente porque essa era a posição dos seus pais (ou por ser exatamente a opinião que mais irritava os seus pais).
Mas “meu pai disse que X é certo e bom” não é um argumento socialmente aceitável num debate sobre política, então numa situação dessas há uma pressão extremamente forte para racionalizarmos. A alternativa seria desistir de nossa posição, deixar o debate e iniciar um processo crítico racional para sinceramente buscar a opinião correta a partir das evidências, o que pode inclusive acabar nos levando a apoiar a posição oposta. Bem melhor, mas muito mais difícil!
Se queremos nos afastar do hábito de racionalizar, portanto, eu sugiro começar com algo mais fácil. Há situações em que nem há uma pressão social real para fazermos uma escolha ou outra, mas mesmo assim sentimos a necessidade de dar razões para o que fazemos. São casos em que não temos nada a perder se simplesmente confessarmos que alguma escolha foi feita apenas por impulso ou em resposta a uma emoção passageira.
No exemplo do início do post, Bruno demonstrou curiosidade sobre o porquê de Ana ter escolhido um suco de laranja, ao invés de um refrigerante. Bruno provavelmente queria saber se Ana estava em alguma dieta nova, ou com algum problema de saúde.
Vamos imaginar que Ana não tinha nenhuma razão especial para pedir um suco de laranja. Nenhuma dieta, nenhum problema de saúde. Ana olhou para o menu de bebidas, leu a palavra “Laranja”, sentiu vontade e pediu o suco. Ana sequer ponderou as alternativas!
Se Bruno fosse um Vulcano (como o personagem Spock, de Star Trek), ele provavelmente exclamaria em horror. Que escolha ilógica! Mas Bruno é (presumivelmente) um humano comum. A resposta honesta de Ana à pergunta de Bruno seria algo como “sei lá, deu vontade”, algo perfeitamente compreensível, já que Bruno, como qualquer humano, também toma decisões impulsivas o tempo todo.
E ainda assim Ana pode sentir o impulso de justificar o suco de laranja por causa da possibilidade de ter feito uma compra ruim e porque humanos gostam de razões. Mas como comprar o suco provavelmente não é uma decisão relevante para a vida de Ana em geral, e como Bruno não vai julgá-la severamente por não ter ponderado racionalmente essa compra, esse impulso deve ser relativamente fácil de superar.
Esse é um bom exercício anti-racionalização para começar: não justifique o suco de laranja, ou o sabor da pizza, a escolha de um caminho diferente para o trabalho. Você não precisa justificar essas coisas. Pause por um segundo e diga: “Não sei, deu na telha”. E, se você prestar atenção no sentimento de simplesmente ser honesto consigo mesmo, talvez fique mais fácil perceber quando você estiver racionalizando um opinião relevante.