Meus destaques do livro Guia de Escrita, de Steven Pinker, tradução de Rodolfo Ilari. Alguns transcritos, outros parafraseados.
O objetivo do post é facilitar a consulta aos pontos chave do livro para quem já o leu (eu mesmo, principalmente). De modo algum substitui a leitura completa. O livro é ótimo e mereceria uma review completa por alguém com domínio do tema maior do que o meu.
Prólogo
- O estilo é o uso efetivo das palavras para acionar a mente humana. Portanto, é uma aplicação prática da linguística e da ciência cognitiva.
- Gramática é ferramenta essencial para entender as regras de estilo.
- O escritor habilidoso precisa distinguir entre questões de correção gramatical, coerência lógica, estilo formal e variedade linguística padrão.
- Especialistas em estilo subestimam as mudanças no idioma, e confundem essas mudanças com decadência.
- Podemos explicar as regras de estilo a partir de pesquisas científicas sobre a dinâmica mental da leitura.
- Clareza e coerência não se identificam com expressão austera, estilo formal e palavras diretas. “É possível escrever ao mesmo tempo com clareza e discernimento.”
- O estilo é importante por pelo menos três razões:
- O estilo garante que a mensagem chegue ao destinatário, poupando tempo que o leitor gastaria decifrando a prosa opaca
- O estilo traz confiança. “Se os leitores percebem que um autor se preocupa com a coerência e a qualidade de sua prosa, confiarão que ele se preocupa também com outras virtudes na conduta que não podem ser verificadas com a mesma facilidade.”
- O estilo acrescenta beleza ao mundo.
Escrever bem
- Muitos autores de sucesso dizem que não consultaram manuais de estilo durante seu aprendizado.
- A competência desses autores vem da escrita de outros escritores. Bons autores são leitores ávidos. “Os escritores adquirem sua técnica identificando, saboreando e aplicando engenharia reversa em exemplos de boa prosa.”
- Análise de alguns trechos de prosa:
- “Uma boa escrita começa forte. Não com um clichê, não com uma banalidade, mas com uma observação rica em conteúdo que provoca curiosidade.”
- Uso de linguagem paralelística
- Uma imagem vívida para passar uma noção abstrata
- Inversão de estrutura da frase para evitar monotonia numa construção paralela
- Evitar superlativos desgastados
- “As categorias da gramática refletem as peças de construção do pensamento”
- “A inesperada descrição do ato banal de comer em termos de sua geometria (…) obriga o leitor a se deter e evoca uma imagem mental do ato em vez de passar batido sobre um resumo verbal”
- “A confusão sintática sobre qual pessoa gramatical pertence a que frase reflete nossa confusão intelectual sobre o próprio sentido do conceito de “pessoa”.”
- “Isto é um zeugma: a justaposição intencional de diferentes sentidos de uma mesma palavra.”
- “O uso deliberado de marcações surpreendentes - dois pontos, barras, citações em destaque num box - é uma das marcas registradas da prosa viva.”
- “Um escritor, assim como um cineasta, manipula a perspectiva de quem acompanha a história em andamento, com os recursos verbais equivalentes a ângulos de câmera e cortes repentinos.”
- “a boa prosa ganha vida com momentos de poesia”
- “um autor habilidoso pode avivar e às vezes energizar sua prosa mediante a inserção judiciosa de uma palavra surpreendente”
- “As melhores palavras não só apontam para uma ideia melhor do que qualquer alternativa como também a ecoam em seu som e articulação, um fenömeno chamado fonoestética, o sentimento do som.”
- “O hábito de fazer submergir o indivíduo em abstrações pode levar não só a uma ciência ruim (…), mas também à desumanização.”
- A regra de que um parágrafo não pode ter apenas uma sentença é estúpida.
- Um bom escrito termina forte.
- “Os autores dos quatro trechos compartilham certo número de práticas: a preferência por palavras com frescor e imagens concretas a palavreados banais e sínteses abstratas; atenção ao ponto de vista do leitor e ao foco de seu olhar; inserção da palavra incomum, tendo por pano de fundo substantivos e verbos simples; uso de uma sintaxe paralelística; uma surpresa ocasional planejada; a apresentação de um detalhe revelador que dispensa uma afirmação explícita; o uso da métrica e do som, em harmonia com o sentido e o espírito.”
- “Escrevem como quem tem alguma coisa importante para mostrar.”
Uma janela para o mundo
- “Escrever é um ato não natural.” “A fala e a escrita diferem em seus mecanismos, é claro, e essa é uma das razões pelas quais as crianças precisam lutar com a escrita”
- “Não gozamos dessa troca de feedbacks quando lançamos ao vento um texto. Os destinatários são invisíveis e imperscrutáveis, e temos que chegar até eles sem conhecê-los bem ou sem ver suas reações.”
- “A chave para um bom estilo (…) consiste em ter uma concepção clara do mundo de faz de conta em que você está fingindo comunicar-se.”
- Quem redige um texto para um público leitor genérico deveria seguir o “estilo clássico”, modelo proposto por Francis-Noël Thomas e Mark Turner no livro Clear and Simple as the Truth.
- “A metáfora-guia do estilo clássico é ver o mundo. O escritor está em condições de ver algo que o leitor ainda não percebeu, e orienta o olhar do leitor para que possa ver esse algo por si mesmo. (…) a prosa é uma janela para o mundo. (…) Além disso, o escritor de prosa clássica não precisa argumentar em favor da verdade; só precisa apresentá-la. Isso porque o leitor é competente e capaz de reconhecer a verdade quando a vê, desde que lhe deem uma visão desobstruída.”
- “A metáfora de mostrar algo implica que há alguma coisa para se ver. Portanto as coisas para as quais o escritor está apontando são concretas”
- “A metáfora da conversa implica que o leitor é cooperativo.”
- Comparação com outros estilos:
- “No estilo prático, o escritor e o leitor têm papéis definidos (…), e o objetivo do escritor é satisfazer uma necessidade do leitor. (…) A escrita do estilo prático pode precisar ajustar-se a formatos preestabelecidos (…) e é breve (…). A redação em estilo clássico, ao contrário, usa qualquer forma e tempo necessários para que o autor apresente uma verdade interessante.”
- “O estilo clássico também difere sutilmente do estilo corrente, no qual tudo está à vista, e o leitor não precisa de ajuda para ver nada. O estilo clássico (…) é aristocrático, não igualitário. ‘A verdade está disponível para todos que queiram esforçar-se por alcançá-la (…)’”
- “os três diferem dos estilos autocentrado, relativista, irônico e pós-moderno, nos quais ‘a principal, embora não declarada, preocupação do escritor é escapar da acusação de ser ingênuo acerca de sua própria iniciativa’.”
- “muitos tipos de escrita misturam os diferentes estilos”
- “Às vezes precisamos escrever sobre ideias abstratas. O que o estilo clássico faz é explicá-las como se elas fossem objetos e forças que podem ser reconhecidos por qualquer pessoa que esteja em condição de vê-las.”
- “Os exemplos que ele escolheu são exatos. (…) Os exemplos são menos metáforas ou analogias do que casos reais dos fenômenos que está explicando, e são casos que os leitores podem ver com seus próprios olhos.”
- “Apresentar de maneira segura uma ideia em estilo clássico não deve ser confundido com insistir arrogantemente que ela é correta. (…) Ele só quer que seus leitores o entendam.”
- Todos temos dúvidas sobre a verdade e a relevância do que escrevemos, mas “os bons escritores não ostentam essa ansiedade em todo trecho que escrevem; eles a dissimulam em nome da clareza”
- “O objetivo do estilo clássico é fazer com que pareça que os pensamentos do escritor estavam inteiramente formados antes que ele os vestisse em palavras”
- Evite metadiscurso: falatório sobre falatório
- Sinalizações
- Usar sinalização com frequência faz sentido para falas longas, para ajudar o ouvinte que se perde por um momento. Não é necessária na escrita, pois o leitor pode voltar e reler.
- O leitor deveria conseguir prever corretamente o próximo assunto sem precisar de sinalizações. No entanto, às vezes elas são necessárias para que ele não se perca.
- “Os participantes ativos são o escritor e o leitor, que estão acolhendo o espetáculo juntamente, e o escritor pode referir-se a ambos pelo bom e velho pronome we [nós].”
- “Um resumo deveria repetir apenas palavras-chave para que o leitor possa conectá-lo a passagens anteriores (…) O resumo precisaria ser autoexplicativo, quase como se a matéria resumida nunca tivesse existido.”
- Evitar confundir o assunto do escritor com sua linha de trabalho. “Escritores autocentrados se inclinam a se queixar da terrível dificuldade e complicação daquilo que vão abordar”
- Evitar uso de scare quotes, que representam indecisão quanto à própria escolha de palavras.
- Evitar uso de ressalvas genéricas que servem apenas para Cover Your Anatomy. Se um enunciado requer ressalvas, elas devem ser feitas qualificadamente, explicitando as circunstâncias em que ele não se aplica. “Não é que bons escritores nunca restrinjam suas afirmações. É que, para eles, restringir é uma escolha, não um cacoete.”
- Intensificadores, como muito, altamente e extremamente, também funcionam como restritores. “A razão é que os substantivos e adjetivos usados sem modificadores tendem a ser interpretados categoricamente. (…) Tão logo acrescenta um intensificador, você transforma uma dicotomia do tipo tudo/nada numa escala gradual.”
- Evitar frases enlatadas. “Quando o leitor é forçado a passar por uma expressão idiomática insossa depois da outra, para de converter a linguagem em imagens mentais e passa simplesmente a vocalizar as palavras.”
- “Todos os olhos estão sobre um agente (…) que se move e se agita, uma força condutora. (…) apresenta os acontecimentos que constituem aquele assunto de maneira transparente, contando um enredo que se desenrola com personagens reais que fazem coisas”
- Nominalização transforma verbos em substantivos ou adjetivos “zumbis”, como afirmar virando afirmação, ou contribuir virando contributivo.
- Substantivos zumbis podem se arrastar por aí sem sujeitos, o que é útil para esconder responsabilidade pela ação que eles representam. O mesmo ocorre com a voz passiva (“mistakes were made”).
- Evitar os pronomes eu, mim e você também é uma manobra evasiva
- “Às vezes o recurso de omitir o agente vem a propósito, porque as personagens secundárias da história seriam um fator de distração.”
- “O uso da voz [passiva ou ativa] errada pode fazer com que o leitor vire a cabeça prum lado e pro outro, como um espectador de uma partida de tênis.”
A maldição do conhecimento
- “uma dificuldade em imaginar como é, para outra pessoa, não saber alguma coisa que você sabe.”
- Várias versões, vários nomes: egocentrismo, viés do olhar retrospectivo, falso consenso, transparência ilusória, cegueira da mente.
- “apenas o empenho de se colocar na pele do outro não garante que se imaginará melhor o que o outro sabe”
- evitar o uso de jargão, abreviações e vocabulário técnico. Se necessário, explicá-los antes.
- Usar exemplos em abundância
- Há duas maneiras pelas quais os pensamentos perdem a concretude:
- Fragmentação: Nossa memória de trabalho só consegue guardar uns poucos “blocos” de cada vez. Criamos conceitos compostos, guardados em nossa memória de longo prazo, que podem ser manipulados como um único bloco aumentando nossa capacidade de pensar coisas complicadas. Se o leitor ainda não conhece os blocos necessários, não conseguirá compreender o texto.
- “A chave é admitir que os leitores são tão inteligentes e sofisticados quanto você, mas que acontece não saberem algo que você sabe.”
- Fixidez funcional: à medida que conhecemos melhor uma coisa, pensamos nela mais em termos do uso que fazemos dela do que de sua forma e características.
- Fragmentação: Nossa memória de trabalho só consegue guardar uns poucos “blocos” de cada vez. Criamos conceitos compostos, guardados em nossa memória de longo prazo, que podem ser manipulados como um único bloco aumentando nossa capacidade de pensar coisas complicadas. Se o leitor ainda não conhece os blocos necessários, não conseguirá compreender o texto.
- “leitores compreendem e lembram muito melhor das coisas quando são expressas numa linguagem concreta que permite formar imagens visuais”
- “Temos que (…) conseguir um feedback do mundo dos leitores - isto é, mostrar um rascunho a algumas pessoas parecidas com a audiência-alvo e descobrir se acompanham a exposição.”
- “mostre o rascunho para si mesmo, de preferência depois de passado tempo suficiente para que o texto não soe mais familiar.”
A rede, a árvore e a sequência
- “Aprender a ter consciência das unidades de uma sentença gramaticalmente bem formada pode permitir que o escritor siga um caminho racional até formar um diagnóstico do problema, quando percebe que na sentença há alguma coisa errada, mas ainda não conseguiu identificar o erro.”
- A gramática combina “a rede ideias em nossa cabeça, a sequência de palavras que sai de nossas bocas e dedos e a árvore sintática que converte a primeira na segunda”
- “a memória humana como uma rede de nós. Cada nó representa um conceito, e cada um deles é ligado a outros nós que representam palavras, imagens e outros conceitos.”
- “O código que traduz a rede de relações conceituais presente em nossa cabeça numa ordem de antes e depois em nossas bocas, ou da esquerda para a direita na página, chama-se sintaxe.”
- “As regras de sintaxe, juntamente com as regras de formação de palavras (…), constituem a gramática da língua.”
- “A sintaxe, então, é um aplicativo que usa uma árvore de frases para traduzir uma rede de pensamentos numa sequência de palavras.”
- A ordem das palavras realiza duas tarefas ao mesmo tempo:
- É o código que comunica quem fez o que para quem
- Determina a sequência do que é processado antes e depois na mente do leitor.
- “As teorias gramaticais modernas (…) distinguem as categorias gramaticais, como substantivo e verbo, das funções gramaticais, como sujeito, objeto, núcleo e modificador. E distinguem essas duas coisas de categorias e papéis semânticos, como ação, objeto físico, possuidor etc“
- “As árvores são aquilo que dá à língua sua capacidade de comunicar as ligações entre ideias, e não simplesmente jogar as ideias no colo do leitor. Mas têm um custo, que é a sobrecarga que impõem à memória. É necessário um esforço cognitivo para construir e manter em ordem todas essas ramificações invisíveis”
- “Uma grande distância entre um preenchedor e um espaço vazio pode ser perigosa tanto para o escritor quanto para o leitor. Quando estamos lendo e cruzamos com um preenchedor como who ou the woman, temos que retê-lo na mente enquanto manipulamos todo o material que continua chegando, até topar com o espaço vazio que ele precisa preencher.”
- Regência é a capacidade de uma palavra de fazer exigências sobre o que acontece em outra ramificação da árvore.
- “Cada uma das frases numa estrutura de coordenação precisa funcionar por si só nessa posição”
- O processo de recuperar o sentido de uma frase impõe duas exigências ao leitor:
- encontrar as ramificações corretas (parsing); e
- mantê-las na memória até verificar o significado.
- Sobre manter as palavras na memória:
- “a dificuldade de uma sentença depende não só da contagem de palavras, mas também de sua geometria.”
- Sentenças longas devem ser dispostas de modo que o leitor possa absorvê-las frase por frase. Isso é feito mediante duas técnicas de poda:
- Estrutura plana de ramais: uma série de orações concatenadas com “e” ou vírgulas, em coordenação;
- Ramificação à direita: a parte mais complicada encaixada numa frase maior ocorre no final desta.
- “a ordem em que os pensamentos vêm à mente do escritor é diferente da ordem em que eles são mais facilmente recuperados pelo leitor.”
- Ler a sentença em voz alta ajuda a detectar sentenças muita complexas, pois o ritmo da fala se relaciona de maneira sistemática com as ramificações da árvore sintática.
- Sobre montar as ramificações corretas, isto é, inferir como foi previsto que as palavras se juntem em frases
- “O leitor precisa adivinhar, e cabe ao escritor garantir que os chutes do leitor serão corretos.”
- “Na ambiguidade sintática, pode não haver nenhuma palavra que seja ambígua, mas as palavras podem ser interconectadas no interior de mais de uma árvore”
- Às vezes a ambiguidade gera um sentido engraçado, mas claramente falso. Outras vezes, gera apenas confusão, com o leitor sem saber qual dos sentidos possíveis era o buscado pelo escritor.
- Em outros casos, a ambiguidade leva a um beco sem saída, “caminho de jardim”: a frase parece indicar um sentido até certo ponto, mas a sequência como um todo só faz sentido se a árvore for construída de outra forma, forçando o leitor a volta atrás a reanalisar.
- Exemplo: “Quando Fred come a comida é jogada fora”. A expectativa inicial é que “comida” será objeto de “come”, mas “come” acaba sendo usado como verbo intransitivo, e “a comida” é sujeito da oração seguinte.
- Alguns recursos ajudam a evitar caminhos de jardim e ambiguidades:
- Prosódia (ritmo da fala)
- Pontuação: “Quando Fred come, a comida é jogada fora.”
- Palavras que sinalizam a estrutura sintática, como artigos, conectivos de subordinação, pronomes relativos
- Dão “ao leitor alguma folga para respirar, porque as palavras o conduzem à frase apropriada e ele pode prestar atenção ao significado das palavras de conteúdo, sem precisar imaginar ao mesmo tempo em que tipo de frase está”
- Em inglês, uso de uma preposição para mover o modificador de um substantivo para a direita: “Manufacturing data helps invigorate Wall Street” torna-se “Data on manufacturing help invigorating Wall Street”
- Sequências e sentidos frequentes:
- Pares de palavras que “saltam do texto” e agilizam o processo de análise, permitindo que as palavras sejam juntadas rapidamente. Entretanto, quando as palavras do par pertencem a árvores diferentes, o leitor pode descarrilhar.
- Exemplo: “Um painel sobre sexo com professores universitários.” O par “sexo com” é comum e atrai a interpretação que associa as duas palavras, ao invés da outra interpretação possível (“Um painel com professores universitários sobre sexo”)
- Diante de uma palavra ou expressão ambígua, o leitor dá preferência ao sentido mais frequente
- Pares de palavras que “saltam do texto” e agilizam o processo de análise, permitindo que as palavras sejam juntadas rapidamente. Entretanto, quando as palavras do par pertencem a árvores diferentes, o leitor pode descarrilhar.
- Paralelismo estrutural: “Uma árvore sintática ‘nua’, isto é, sem palavras nas pontas de seus ramos, permanece na memória por alguns segundos depois que as palavras foram apagadas, e durante esse tempo fica disponível como uma pauta para analisar a próxima frase. Se a nova frase tem a mesma estrutura que a anterior, suas palavras podem ser encaixadas na árvore que ficou à espera, e o leitor absorverá isso sem esforço.”
- Variar a sintaxe sem critério desequilibra o leitor.
- Sintaxe paralela pode permitir que o leitor evite caminhos de jardim. “Quando Fred dorme ele ronca. Quando Fred come a comida é jogada fora.”
- Apego à frase ao lado: Se possível, o leitor prefere ramificar à direita, ou seja, integrar as palavras na frase em que está trabalhando, em vez de encerrar a frase e encontrar outro lugar para colocar as palavras que vão chegando.
- “Separe as frase não relacionadas (mas que se atraem mutuamente)”
- A regras do inglês e do português obrigam a colocar a colocar o sujeito antes do verbo e o verbo antes do objeto, mas o escritor pode não querer que o leitor pense no conteúdo do sujeito antes de pensar no conteúdo do verbo e do objeto.
- Razões para querer controlar a ordem do pensamento do leitor:
- Evitar ligações indesejadas (problemas de parsing mencionados acima)
- Deixar para o final o que é mais pesado: é mais fácil lidar com uma frase grande e pesada se ela vem no final
- Antes o tópico e depois o comentário. O dado primeiro e depois o novo. “as pessoas aprendem coisas integrando as informações novas à sua rede preexistente de conhecimentos. Elas não gostam quando um fato aparece do nada, e têm que mantê-lo levitando na memória de curto prazo até encontrar um background relevante em que possam encaixá-lo momentos mais tarde.”
- Construções alternativas para modificar a ordem das palavras:
- Voz passiva
- Permite que o autor da ação seja mencionado depois do alvo
- Serve para encurtar a distância entre um preenchedor e o espaço vazio a que ele corresponde. Por exemplo, compare “Um jovem que alguém tinha chamado à diretoria” com “Um jovem que tinha sido chamado à diretoria”
- Anteposição: desloca uma frase modificadora para a esquerda
- Posposição, dativo preposicionado, existencial, subordinada extraposta: permitem mover uma frase pesada para o final
- Clivada e pseudoclivada: tomam uma informação como pressuposta, e falam algo novo sobre esse pressuposto
- Escolha do verbo: alguns verbos têm o mesmo sentido, mas tomam atores com papéis diferentes. Compare dar com receber.
- Voz passiva
- Razões para querer controlar a ordem do pensamento do leitor:
Arcos de coerência
- “Mesmo que todas as sentenças num texto sejam enxutas, transparentes e bem formadas, uma sucessão de sentenças pode soar tumultuada, descoordenada, dispersiva - numa só palavra: incoerente.”
- “O problema é de coerência: não entendemos por que uma sentença vem depois da outra. (…) Precisamos de um contexto que leve o leitor a compreender por que o escritor sentiu a necessidade de afirmar o que ele está afirmando naquele momento.”
- “À primeira vista, a organização de um texto se assemelha realmente a uma árvore, com trechos de linguagem encaixados em trechos de linguagem maiores.”
- Como organizar o texto numa estrutura hierárquica clara:
- Esboço em forma de árvore, com itens e sub-itens
- Anotar ideias mais ou menos aleatoriamente, depois identificar as que têm relação entre si
- Há muito mais possibilidades de organização do que as possibilidades sintáticas na árvore de uma sentença
- É melhor procurar uma trilha intuitiva para ordenar os ramos da árvore. Exemplos:
- Zoom do global para o detalhado
- Do antigo para o novo
- Caminhar por uma área geográfica
- Jornada de um herói superando obstáculos
- Simular um debate
- Recontar a história de uma descoberta
- Parágrafo não existe, ou melhor, “não existe uma unidade de discurso que corresponda coerentemente a um bloco de texto delimitado por uma linha de espaço ou um recuo. O que existe é a quebra de parágrafo, uma marca no texto que permite ao leitor fazer uma parada, tomar ar, assimilar aquilo que leu, e aí reencontrar na página o lugar onde estava.”
- O mesmo entalhe precisa ser usado para separar quaisquer ramos da árvore, independentemente do tamanho e da importância desses ramos
- Às vezes é necessário quebrar o parágrafo apenas para descansar os olhos do leitor
- Nem todos os textos precisam ser organizados hierarquicamente, mas o escritor precisa deliberadamente planejar alguma organização
- Arcos de coerência são conexões entre diferentes partes do texto, que atravessam a estrutura ramificada de árvore
- Coerência exige clareza do tópico. “O tópico corresponde à pequena porção do território dentro da vasta rede de conhecimento na qual as sentenças recebidas devem ser inseridas.”
- Indicar o tópico no começo do texto facilita muito a compreensão.
- “Enunciar o tópico é necessário porque a linguagem, por mais explícita que seja, só consegue tocar em um pequeno número dos pontos altos de uma história.”
- O leitor também precisa saber o objetivo (point) do texto, saber o que o autor está tentando realizar.
- “À medida que um leitor avança num texto, o desafio seguinte é ter controle das ideias que o atravessam e discernir a relação lógica entre uma ideia e a seguinte.”
- A principal ligação entre uma sentença e a próxima é o tópico. O leitor tenta relacionar o tópico do texto com o tópico da sentença, e os tópicos das sentenças entre si.
- “A lista coerente de tópicos de sentença, todos relacionados ao tópico da coluna jornalística, forma um arco satisfatório de coerência que abrange todo o trecho.”
- Sequências tópicas (topic strings): mantêm o leitor focado em um único tópico ao longo de várias sentenças
- Remissão a personagens ou fatos já introduzidos, usando:
- pronomes
- reuso da mesma palavra usada anteriormente, se o pronome causaria ambiguidade, e a repetição não está muito próxima do uso original
- uso de outra palavra como pseudopronome
- deve ser mais genérica que a original
- deve remeter à original facilmente, isto é, a palavra original deve ser um exemplo típico evocado pelo pseudopronome
- Exemplo: “Um ônibus virou parou em frente ao ponto. O veículo era muito velho.”
- Nominalizações caem bem aqui. Exemplo: “Os estudantes se apresentaram no teatro municipal ontem. A apresentação foi aplaudida de pé.”
- Relação lógica entre proposições
- Hume - Três princípios de conexão entre ideias: semelhança, contiguidade e causa ou efeito.
- Linguistas modernos subdividem a tríade de Hume em tipos mais específicos
- Semelhança
- Similaridade, contraste
- Duas proposições semelhantes em muitos aspectos, mas diferentes em pelo menos um. O escritor pode querer chamar a atenção para as semelhanças ou para as diferenças
- Podem ser veiculadas mesmo sem conectivos, usando sintaxe paralela
- Elaboração: “um mesmo acontecimento é descrito de maneira genérica e em seguida com detalhes específicos.”
- Exemplificação/Generalização
- Exceção com generalização em primeiro lugar/Exceção com a exceção em primeiro lugar
- Similaridade, contraste
- Contiguidade, “uma sequência de antes e depois, normalmente com alguma conexão entre os dois eventos”
- Escritor pode escolher entre antes e depois, e também pode antepor o modificador temporal ou deixá-lo em seu lugar.
- “O gato chegou antes que os ratos fugissem”/“Antes que os ratos fugissem, o gato chegou”/“Os ratos fugiram depois que o gato chegou”/“Depois que o gato chegou, os ratos fugiram”
- Falantes do inglês “assumem naturalmente que a ordem em que os acontecimentos são mencionados é aquela em que aconteceram”
- Causa e efeito
- Resultado (causa-efeito)/explicação (efeito-causa)
- Expectativa violada (evitador-efeito)/Prevenção falhada (efeito-evitador)
- Atribuição: “tais e tais pessoas acreditam em tais e tais coisas.”
- A principal ligação entre uma sentença e a próxima é o tópico. O leitor tenta relacionar o tópico do texto com o tópico da sentença, e os tópicos das sentenças entre si.
- “Na verdade, a coerência se estende além das sentenças individuais, e também se aplica a inteiras ramificações da árvore que representa o discurso (…). Várias proposições podem estar interconectadas por um conjunto de relações de coerência, e o bloco resultante interliga-se por sua vez com outros blocos.”
- Escritores podem abrir mão de usar os conectivos típicos quando a conexão é óbvia para o leitor.
- “o risco de que a prosa seja desconcertante por ter conectivos a menos é sempre maior do que o de ser pedante por ter conectivos a mais. Na dúvida, conecte. Mas se você indica uma conexão, faça-a apenas uma vez.”
- Negações claras e plausíveis
- “Ouvir ou ler um enunciado é acreditar nele, pelo menos por um instante. Para concluirmos que alguma coisa não é verdade, precisamos dar o passo cognitivo a mais de espetar a etiqueta mental ‘falso’ numa proposição.”
- “Toda negação requer trabalho mental, e quando uma sentença contém muitas delas o leitor pode ficar sobrecarregado.”
- “a negação é fácil de entender quando a proposição que está sendo negada é plausível ou atraente. (…) quando um escritor quer negar uma proposição pouco conhecida, tem que apresentar a sentença em duas etapas: 1. Você poderia pensar que… 2. Mas não é isso.”
- Elimina-se a ambiguidade de uma negação por seu escopo e seu foco
- O escopo do operador lógico depende do local na frase. Compare “All doors will not open” com “Not all doors will open”
- Quando um elemento negativo tem escopo amplo, pode ser absurdamente vago. Não é claro que aspecto da sentença negada o autor acha que causa sua falsidade, ou seja, não é claro qual o foco da negação. O escritor precisa preparar o contexto para que o foco fique óbvio.
- Exemplo: “Eu não vi um homem de terno cinza na loja.” Significa que você viu um homem de terno marrom? Ou uma mulher de terno cinza? Ou um homem de terno cinza no ponto de ônibus, não no shopping?
- Senso de proporção
- “o tanto de palavreado que se dedica a um ponto tem que ser proporcional à importância que esse ponto tem na argumentação.”
- “Naturalmente, os escritores responsáveis precisam lidar com contra-argumentos e evidências contrárias. Mas se estes forem numerosos o suficiente para justificar uma discussão mais extensa, merecem uma seção específica, cujo objetivo declarado será o de examinar a posição contrária.”
- Consistência temática
- “Um escritor, depois de propor seu tópico, introduz um grande número de conceitos que explicam, enriquecem ou comentam esse tópico. Esses conceitos vão convergir para um certo número de temas que aparecem repetidamente na discussão. Para manter o texto coerente, o escritor precisa permitir que o leitor mantenha um controle sobre esses temas, referindo-se a eles de uma maneira coerente ou explicando sua conexão.”
- “A discussão de cada tema é coerente não só porque é localizada num segmento de parágrafos consecutivos, mas também porque se refere ao tema usando termos relacionados entre si de forma transparente.”